
Cenário: rock nacional do nordeste brasileiro.
Época: década de 90.
A estagnação criativa imperava na releitura de tudo o que já havia sido feito. Nos E.U.A. surge o grunge que remodelou o punk e surgiu com moda (alguns dizem tendência) no vestuário, na sonoridade e na atitude de centenas de bandas. No Brasil, algo pra salvar a década: um ímpeto underground artístico que ficou conhecido como mangue beat. Dentre tantas bandas que estamparam sucessos em rádios e na MTV, algumas ficaram no ostracismo, apesar de serem excelentes. Uma dessas é a desta resenha. “Jorge Cabeleira e o Dia Em Que Seremos Todos Inúteis”. Sim, o nome desta banda de Recife é este mesmo. E o disco abordado é o homônimo à banda, primeiro álbum lançado pela Sony Music em 1994.
“12 Badaladas” abre o trabalho apresentando logo de início influências de histórias em quadrinhos, desenhos animados, filmes trash, hard core e música nordestina. “Jabatá e o Diabo” narra uma história de terror em pleno sertão selvagem. “...ladrão praga, enchente e um bando de gente doente” abundam com o sorriso do diabo enquanto Jabatá diz “Quero toda safada enrolada num pano preto melado de sangue e cera de vela queimada”. “Sol e Chuva” é uma versão da música de Alceu Valença que aqui ganha uma roupagem contemporânea e certamente satisfazendo o autor. “Carolina” mostra como até Luiz Gonzaga pode virar uma versão de muito bom gosto alternando partes de forró de pé de serra com hard core que cativam para o pogo. “Nervoso Na Beira Do Mar” é poética. Começa com uma batida preguiçosa de guitarra elétrica, transformando-se num punk rock de primeira. “Silepse” mantém o ritmo de punk rock misturado com baião com letra regional e retratando a realidade sertanista. “A História Do Zé Pedrinho” conta uma tragédia nordestina de traição conjugal de uma maneira tão simplista que chega a ser envolvente em sua narrativa. A poesia de “O Dia Em Que Conceição Subiu a Serra” mostra como levar o ritmo nordestino com guitarras de uma maneira bem peculiar. “Canudos” é uma tragédia megalomaníaca em que remete o ouvinte a um dos episódios mais sangrentos da História do Brasil onde o Estado reprimiu e chacinou um povo que só queria viver em uma comunidade independente. “Os Segredos De Sumé” é outra versão, agora de Zé Ramalho e conta com a participação especial do próprio que atesta a boa miscelânea musical provocada. “Recife” é uma espécie de desabafo que prega a reforma agrária, a descriminalização da maconha e reclama das condições precárias do homem do sertão e do favelado da capital. “Psicobaião” poderia muito bem ter sido composta por um dos grandes nomes da música nordestina, já citados aqui. “Carnaval” fecha o disco com um dos hard core mais raivosos já registrados pela indústria fonográfica. É a única música do álbum que não tem influências nordestinas e exatamente como um carnaval, passa o clima de desordem.
Em suma, instrumentos de arranjos como guitarras distorcidas, triângulo e sanfona, em parceria com o sotaque carregado e desleixado, equilibram a raiva do recifense urbano e do agricultor abandonado no sertão. Dificilmente surgirá uma outra banda que conseguiu essa coerência perfeita entre baião, punk rock, forró e hard core. Pena o grupo não existir mais. Porém o legado está registrado comprovando que o criativo, o empolgante e o poético nem sempre estão disposto de uma maneira mais aberta para o público em geral.
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